Gabriela Bertelli

Guardachuva – Psicologia, Tanatologia e Psicoterapia do Luto®

É de suma importância atentar-se à estatísticas e questões epidemiológicas para justificar pesquisas e aumentar a produção científica no estudo do fenômeno suicídio, tanto na prevenção quanto na posvenção. Ao se fazer pesquisas e estudos de qualidade, aumenta-se a probabilidade dos(as) profissionais de saúde aprimorarem suas práticas e a população ser melhor cuidada. Este texto, portanto, visa fornecer estatísticas, epidemiologia e dados importantes para profissionais que desejam estudar e pesquisar o tema, a fim de facilitar a busca por informações e por referências. Além disso, este texto será o primeiro de uma série de textos sobre luto por suicídio.

Em relação às estatísticas propriamente ditas, de acordo com a OMS, estima-se 703 mil mortes por suicídio no mundo a cada ano (WHO, 2021). Estatísticas apontam para uma taxa mundial média de 16 mortes por 100 mil pessoas (Nunes et al., 2016). Os dados mostram que o suicídio é a quarta maior causa de morte entre os jovens, de 15 a 29 anos (WHO, 2021). Se forem consideradas todas as idades, o suicídio está dentre as 10 principais causas de morte (Botega, 2015; Fukumitsu et al., 2015). Vale ressaltar que essas taxas possuem tendência de crescimento, houve um aumento de 60% em 45 anos (Nunes et al., 2016). 

No Brasil, mais especificamente, as taxas também são elevadas. O suicídio é a terceira causa de morte dentre os fatores externos, tendo uma média de 5,7 mortes por 100 mil pessoas (Nunes et al., 2016). No país, tentativas de suicídio são a segunda causa de internações no Sistema Único de Saúde (SUS) dentre as mulheres jovens, entre 10 e 19 anos (Fukumitsu et al., 2015). Mais especificamente no estado de São Paulo, o suicídio é a terceira causa de morte dentre os óbitos de origem externa (Fukumitsu et al., 2015). 

Somente em 2017 é que foi divulgado o primeiro Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2017; Rocha & Lima, 2019). Esse boletim descreveu o perfil epidemiológico das pessoas que tentaram e que morreram por suicídio entre os anos de 2011 e 2016 no Brasil (Brasil, 2017; Rocha & Lima, 2019). Tal documento é um marco recente e importante para que seja possível, a partir dessas informações, mapear e traçar novas políticas e intervenções visando a prevenção e a posvenção do suicídio no Brasil. 

Todos esses dados supracitados apontam para uma alta taxa de morte por suicídio. Vale pensar que esses números podem ser menores do que a realidade, uma vez que pode haver dificuldades em definir e classificar a causa de morte, acarretando uma subnotificação (Rocha & Lima, 2019; Santos et al. 2022). 

O suicídio é considerado um problema de saúde pública, com suas taxas aumentando ao redor do mundo, como evidenciado pelos dados apresentados acima (Fukumitsu et al., 2015; Linde et al., 2017; Nunes et al., 2016; Ruckert et al., 2019; Santos et al. 2022). Esse fenômeno é considerado um problema de saúde pública global, porque há casos em diferentes níveis socioeconômicos, bem como em diferentes idades (Fukumitsu et al., 2015). 

Além dos casos de suicídio em si destacados acima, existem as tentativas e as pessoas enlutadas por esses suicídios, as quais sofrem um aumento em sua probabilidade de suicídio (Rocha & Lima, 2019). As mortes por suicídio geram impactos em diversas pessoas, sendo, desse modo, inúmeros enlutados (Pedrollo & Vedana, 2021). Estima-se que uma média de seis pessoas são impactadas por cada morte por suicídio (alguns autores citam de cinco a dez pessoas) acarretando consequências econômicas, emocionais e sociais (Botega, 2015; Fukumitsu et al., 2015; Linde et al., 2017; Nunes et al., 2016; Ruckert et al., 2019; Santos et al., 2022; Scocco et al., 2018). No entanto, mais pessoas são afetadas, se forem levados em consideração todos os indivíduos que conviveram em algum momento com a pessoa que morreu (Ruckert et al., 2019). Estudos mais recentes apontam que, para cada morte por suicídio, mais de 60 pessoas são afetadas, sendo 5 membros da família, 15 membros da família estendida, 20 amigos e 20 colegas de estudo e/ou de trabalho (Levi-Belz & Aisenberg, 2021). Dessa forma, aproximadamente 48 milhões de pessoas se tornam enlutados por suicídio todo ano (Levi-Belz & Aisenberg, 2021). Sobre as consequências econômicas, estima-se que os impactos do suicídio nos sistemas de saúde mundiais em 2020 representaram 2,4% do total (Nunes et al., 2016). 

Além disso, as pessoas enlutadas por suicídio possuem risco maior para comportamentos suicidas (Botega, 2015; Levi-Belz & Aisenberg, 2021; Linde et al., 2017; Nunes et al., 2016; Pedrollo & Vedana, 2021; Rocha & Lima, 2019). Há um aumento de duas a três vezes na suscetibilidade ao risco de suicídio nessa população (Ruckert et al., 2019). Mais ainda, os enlutados por suicídio possuem uma maior probabilidade de desenvolver transtornos psicológicos/psiquiátricos, tais como depressão e luto complicado (Levi-Belz & Aisenberg, 2021; Scocco et al., 2018). Vale ressaltar que há pouca procura dos enlutados por suicídio por ajuda profissional, o que evidencia a necessidade de se falar sobre o assunto e divulgar serviços para esse público (Rocha & Lima, 2019). Nesse sentido, além de possibilitar que essa população chegue até os serviços de saúde, mais pesquisas devem ser realizadas com a temática luto por suicídio, para que os cuidados com as pessoas enlutadas melhorem (Nunes et al., 2016; Rocha & Lima, 2019). 

Vale ressaltar que, de acordo com Pitman e colaboradores (2014), o aumento do risco de suicídio em enlutados por suicídio continua uma discussão teórica e não empírica. Os autores ressaltaram que os familiares da pessoa que morreu por suicídio compartilham o mesmo ambiente, genética, transtornos psicológicos/psiquiátricos e agressões (Pitman et al., 2014). Em suma, entende-se que o luto por suicídio não gera, a priori, um aumento no risco do suicídio, mas sim que há um contexto compartilhado pelos familiares com o ente querido que morreu que deve ser levado em consideração juntamente com a morte enquanto evento traumático (Pitman et al., 2014). 

O luto complicado é estimado entre 7% e 10% da população de enlutados em geral, porém os enlutados por suicídio possuem um risco elevado de desenvolver esse tipo de luto (Linde et al., 2017; Santos et al. 2022; Scocco et al., 2018). Mais ainda, pessoas mais próximas do falecido, como filhos, pais e cônjuges possuem um risco de aproximadamente duas vezes maior de desenvolver luto complicado, se comparado com parentes/amigos/conhecidos mais distantes (Linde et al., 2017; Scocco et al., 2018). Mais especificamente, cônjuges de pessoas que morreram por suicídio possuem chance aumentada de desenvolver transtornos psicológicos/psiquiátricos dentro do prazo de um ano (Scocco et al., 2018). Quanto ao tempo decorrido após o suicídio, um mês após a morte, 43% de enlutados por suicídio apresentaram luto complicado (Linde et al., 2017). Três meses após a morte, 25% dos enlutados por suicídio apresentaram luto complicado, enquanto 13% dos enlutados por outras causas apresentaram luto complicado (Linde et al., 2017). As estatísticas de luto complicado após um ano da perda variam de 35% em cônjuges e parentes de primeiro grau a 78% em pais (Linde et al., 2017). De modo geral, foi relatado que 40% dos enlutados por suicídio apresentaram luto complicado após a perda (Scocco et al., 2018). 

Sabendo-se disso, há uma melhora significativa na saúde e no bem-estar dos enlutados por suicídio com ações de posvenção, se comparado a um grupo sem essas ações (Ruckert et al., 2019). Ademais, existem impactos econômicos significativos ao fornecer cuidados em posvenção, diminuindo o custo dos enlutados por suicídio e aumentando a produtividade (Ruckert et al., 2019). Mais ainda, 52 países integram a Associação Internacional de Prevenção do Suicídio (International Association for Suicide Prevention) e apenas 14 possuem programas e serviços especializados para pessoas enlutadas por suicídio (Botega, 2015; Ruckert et al., 2019). Dessa forma, verifica-se a importância de ações em posvenção e a falta de programas especializados ao redor do mundo. 

Os enlutados por suicídio necessitam de ajuda profissional para lidar com o luto e com as consequências dele decorrentes (Linde et al., 2017). No entanto, poucas pessoas relataram que receberam esse apoio (LINDE et al., 2017). Há, então, uma lacuna entre a necessidade e o acesso aos serviços de saúde especializados e de qualidade em luto (Linde et al., 2017). Enquanto 94% dos participantes do estudo de Wilson e Marshall (2010) indicaram necessidade de suporte profissional, menos da metade deles receberam esse auxílio (Linde et al., 2017; Wilson & Marshall, 2010). Dentre os que receberam ajuda, apenas 40% se sentiram satisfeitos (Linde et al., 2017; Wilson & Marshall, 2010). 

O tabu frente ao suicídio pode ser um reflexo da falta de conhecimento sobre o tema, o que salienta a necessidade de se pesquisar e falar sobre o assunto (Rocha & Lima, 2019). 

Apesar do suicídio ser uma questão de saúde pública, pouco se estuda sobre o tema no Brasil e, quando o suicídio é abordado, o foco é a intervenção e a prevenção (Fukumitsu et al., 2015; Pedrollo & Vedana, 2021; Ruckert et al., 2019). 

Desse modo, mais estudos na área da posvenção devem ser realizados. O estudo sobre luto por suicídio em redes sociais pode ser uma ferramenta importante para melhorar as estratégias de posvenção. O luto por suicídio (posvenção) é um tema que possui lacunas e que deve ser estudado mais detalhadamente, a fim de fornecer uma melhor qualidade de vida para os enlutados (Pedrollo & Vedana, 2021). Ao encontro disso, mais pesquisas devem ser produzidas com a finalidade de ampliar as ações de prevenção e posvenção do suicídio e de transmitir informações e conhecimentos sobre suicídio para profissionais de saúde, bem como para a população de forma geral (Fukumitsu et al., 2015). A psicoeducação, por exemplo, é um dos tipos de intervenção que se mostra promissora para casos de pessoas com alto risco de desenvolver luto complicado (Levi-Belz & Aisenberg, 2021; Linde et al., 2017). Em síntese, realizar pesquisas sobre posvenção é de suma importância, visto os dados supracitados, as altas taxas em crescimento, o baixo número de pesquisas sobre o tema no Brasil e no mundo, assim como poucos serviços de apoio aos enlutados por suicídio (Fukumitsu & Kovács, 2016; Linde et al., 2017; Ruckert et al., 2019).

Referências

Brasil. (2017). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Perfil epidemiológico das tentativas e óbitos por suicídio no Brasil e a rede de atenção à saúde.

Botega, N. J. (2015). Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed. ISBN: 978-85-8271-237-5

Fukumitsu, K. O., Abilio, C. C. C., Lima, C. F. da S., Gennari, D. M., Pellegrino, J. P., & Pereira, T. L. (2015). Posvenção: Uma nova perspectiva para o suicídio. Revista Brasileira de Psicologia, 2(2), 48-60. 

Fukumitsu, K. O., & Kovács, M. J. (2016). Especificidades sobre processo de luto frente ao suicídio. Psico, 47(1), 03-12. http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.1.19651.

Levi-Belz, Y., & Aisenberg, D. (2021). Interpersonal predictors of suicide ideation and complicated-grief trajectories among suicide bereaved individuals: A four-year longitudinal study. Journal of Affective Disorders, 282, 1030-1035. doi: 10.1016/j.jad.2021.01.006.

Linde, K., Treml, J., Steinig, J., Nagl, M., & Kersting, A. (2017). Grief interventions for people bereaved by suicide: A systematic review. PLoS One 12(6), 1-20. doi:10.1371/journal.pone.0179496

Nunes, F., Pinto, J., Lopes, M., Enes, C., & Botti, N C. L. (2016). O fenômeno do suicídio entre os familiares sobreviventes: Revisão integrativa. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, (15), 17-22. DOI:10.19131/rpesm.0127 

Pedrollo, L. F. S., & Vedana, K. G. G. (2021). Suicide and grief: Quantitative analysis of brazilian publications on twitter. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, (25), 116-130. https://doi.org/10.19131/rpesm.0301.

Pitman, A., Osborn, D., King, M., & Erlangsen, A. (2014). Effects of suicide bereavement on mental health and suicide risk. The Lancet Psychiatry, 1(1), 86-94. http://dx.doi.org/10.1016/ S2215-0366(14)70224-X 

Rocha, P. G., & Lima, D. M. A. (2019). Suicídio: peculiaridades do luto das famílias sobreviventes e a atuação do psicólogo. Psicol. clin., 31(2), 323-344. http://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438V0031N02A06. 

Ruckert, M. L. T., Frizzo, R. P., & Rigoli, M. M. (2019). Suicídio: A importância de novos estudos de posvenção no Brasil. Rev. bras. ter. cogn., 15(2), 85-91. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20190013. 

Santos, L. B., Bertelli, G., Lima, L. F., & Couto, L. P. (2022). Luto por suicídio: Considerações iniciais sobre posvenção e Análise do Comportamento. In Fonseca, F. N.; Santos, L. B.; & Freire, A. L. L. (org.). Luto: Teoria e intervenção em análise do comportamento (1ª ed., pp. 243-265). Curitiba: CRV. ISBN: 978-65-251-2514-5. DOI: 10.24824/978652512514.5

Scocco, P., Preti, A., Totaro, S., Corrigan, P. W., Castriotta, C, & Soproxi Team. (2018). Stigma, grief and depressive symptoms in help-seeking people bereaved through suicide. Journal of affective disorders, 244, 223-230. doi:10.1016/j.jad.2018.10.098 

WHO [World Health Organization]. (2021). Suicide. Geneva: World Health Organization.

Wilsom, A., & Marshall, A. (2010). The support needs and experiences of suicidally bereaved family and friends. Death Studies, 34(7), 625–640. doi:10.1080/07481181003761567

Uma resposta

  1. Muito importante trazer a pauta a público, trazendo também dados que por muitas vezes são desconhecidos. Gostei muito do assunto e como você abordou todo o conteúdo em uma didática boa e reflexiva.

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