Lucas Barbosa dos Santos
Guardachuva – Psicologia, Tanatologia e Psicoterapia do Luto®
“Eu me sinto culpado”. Essa é a afirmação mais comum que escuto no consultório quando estamos falando sobre perdas. E isso reflete a maneira que aprendemos a nos sentir culpados, sentimento esse tão difícil de lidar em nossas vidas, bem como afirma Doka (2016) “A culpa é uma das emoções mais comuns, inesperadas e paralisantes”
A culpa é uma experiência familiar para todas as pessoas enlutadas, percebida como uma incapacidade de reparação, e que pode ter um efeito significativo na vida da pessoa dependendo da causa em que a perda ocorre. (Camacho et al., 2018). Esse sentimento tem como contexto a ruminação, ou seja, pensamentos repetitivos e recorrentes sobre a perda, suas consequências e emoções desagradáveis (Camacho et al., 2018; Eisma et al., 2020).
De acordo com Li et al (2014) a culpa é uma construção multidimensional, porque podemos nos sentir culpados por vários motivos, em casos de luto, por não ter impedido a morte, não ter feito o suficiente e por não aproveitar a vida após a morte.
No campo de construção multidimensional temos a culpa associada à um padrão de arrependimento, podendo induzir a cognições e autopercepção negativas de si, avaliação de pendências e principalmente um sentimento baseado na autoavaliação que são influenciados pelos códigos morais de culturas específicas (Li et al., 2014).
Culpa é sim um sentimento desagradável, mas nem por isso deixa de ter uma função importante em nossas vidas. Segundo Harris (2021), a culpa nos motiva a refletir sobre nosso comportamento e como este está afetando os outros, o que comunica “fiz algo de errado e quero corrigir”, o que produz a necessidade de reparar os laços sociais.
Um fator interessante para observarmos é mostrada em uma escala de avaliação da culpa no processo de luto (Li et al., 2014), onde os autores propõem aspectos diferentes desse sentimento, são eles:
- Culpa de responsabilidade: “eu acho que ele(a) não teria morrido naquela época se eu tivesse feito algo de diferente”
- Ferir o falecido: “ele (a) estava infeliz por minha causa”
- Culpa do sobrevivente: “sinto-me culpado por continuar aqui.. vivendo e aproveitando a vida”
- Culpa por dívida/endividamento: “eu sinto que não pude retribuir ou fazer o mesmo por ele (a), não foi o suficiente”
- Sentimentos de culpa: “me dói lembrar, sentir quando paro e penso no que aconteceu.. me sinto culpado”
A culpa em nossa cultura é percebida e vivenciada como uma condenação sem chances de reparação, normalizar e reconhecer a culpa não é o mesmo que fazê-la ir embora, é necessário mostrarmos que a vida e a vinculação podem ser gratificantes e coexistir o gerenciamento de conflitos (Miller e Loring, 2016).
O que ajuda? O que o paciente precisa? O que ele acredita? O mesmo precisa sofrer uma sentença? Precisa se arrepender ou pedir perdão? (Miller e Loring, 2016).
Referências:
Camacho, D. Pérez-Nieto, M. A. Gordillo, F. (2018). The role of rumination in the guilt associated with bereavement according to cause of death. Psychiatry research, p. 1-26.
Doka, K. J. (2016). Grief is a journey: finding your path through loss.New York: Atria.
Eisma, M. C. Lang, T. A. Boelen, P. A. (2020). How thinking hurts: rumination, worry, and avoidance processes in adjustment to bereavement. Clin. Psychol. Psychoth. p. 1-11.
Harris, R. (2021). When life hits hard : how to transcend grief, crisis, and loss with acceptance and commitment. New Harbinger Publications, Inc.
Li, J. Stroebe, M. Chan, C. L. W. Chow, A. Y. M. (2014) Guilt in Bereavement: A Review and Conceptual Framework, Death Studies, 38:3, 165-171.
Miller, C. Loring, P. (2016). The Healing Power of Guilt. In: Niemeyer, R. A. Techniques of grief therapy: assessment and intervention. Routledge. p. 157-160.