Fernanda Figueiredo

IACEP – Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicologia

A longevidade é um dos temas mais refletidos nas pesquisas sobre saúde e envelhecimento. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de julho de 2022, revelaram que o número de pessoas acima de 30 anos no Brasil alcançou 56% da população. Isso acarreta um contexto desafiador, uma vez que 33 milhões de brasileiros já chegaram à velhice e em 2050, os índices serão duplicados (NORONHA et.al., 2023). A saúde integral engloba aspectos relacionados ao físico, emocional, espiritual e social de um indivíduo. Por isso, a avaliação da saúde se relaciona com a qualidade de vida, sobretudo quando este sujeito sofre com repercussões impostas por uma doença (CURY, 2007). Considera-se que o adoecimento é sentido de forma única e singular por cada pessoa, e a doença manifestada no corpo físico impacta de maneira biopsicossocial. Entre as repercussões, o comprometimento de funcionalidade promove uma ameaça à integridade da autonomia e independência do indivíduo. 

Existe uma variação nas dificuldades e perdas surgidas pelo evento de uma doença, como por exemplo, o AVC (Acidente Vascular Cerebral), o qual pode afetar a mobilidade, capacidade cognitiva e de comunicação. Isso torna importante o cuidado sob uma perspectiva multiprofissional (ANDRÉ, 2006). O grau de comprometimento pode afetar desde a redução das funções laborais até as atividades básicas de vida diária, como tomar banho, vestir uma roupa, alimentar-se e transferir-se da cama para uma cadeira (SILVA et al., 2018). Nesse contexto, podem surgir sentimentos de ambiguidade diante da dependência de terceiros, julgamento das pessoas que não acolhem e validam a tristeza. A atuação do psicólogo pode ser direcionada para a compreensão e aceitação de que houve mudança significativa na vida deste indivíduo e, como consequência, a forma como as pessoas se relacionam com ele mudou também. Além disso, estimular o desenvolvimento de rotinas diárias possíveis na situação atual e garantir a participação ativa da pessoa adoecida na tomada de decisões sobre o tratamento podem produzir sensação de alívio. É necessário abordar sobre as expectativas de melhora reais e imaginárias.

Tendo em vista que o processo de vivenciar uma doença grave em alguma fase da vida está permeado de alterações significativas no cotidiano, pode-se afirmar que isso se estende a todos os membros envolvidos no contexto familiar e, essencialmente, aqueles voltados para os cuidados. As limitações impostas pelo adoecimento podem desencadear sentimentos de isolamento, impotência, medo, ansiedade, incerteza, insegurança, desvalorização e culpa. Dessa forma, ocorrem perdas das capacidades cognitivas ou físicas, assim como a experiência de luto por partes de si mesmo. Identifica-se um luto simbólico e não reconhecido pela modificação da imagem do corpo e alterações funcionais, principalmente em casos de perdas da mobilidade voluntária parcial ou total do corpo. A consequente redução das atividades do indivíduo, com limitações, sequelas e dores físicas podem gerar uma violação da integridade da pessoa (MASO, 2009) e uma atenção direcionada para o que se perdeu. O indivíduo impossibilitado de exercer as mesmas atividades anteriores, pode se isolar de ambientes familiares e sociais, além do convívio com colegas de trabalho. Nessa direção, é possível criar alternativas de manutenção dos vínculos, de modo a estimular a criatividade e execução de novos encontros com aqueles que antes do adoecimento faziam parte da sua rotina. Algumas perguntas norteadoras possíveis são:

  1. O que você pode fazer ainda com quem ama e está por perto?
  2. Enquanto não chega a recuperação que deseja, o que você vai fazer até lá? Como vai usar o seu tempo?
  3. O que estaria fazendo se pudessem se dedicar a outra coisa que não fosse se livrar do sofrimento? 

Considerando que o luto pode se apresentar diante da perda de uma pessoa, partes do corpo, funções físicas, o que constitui um período necessário de readaptação (DOKA, 2002), o adoecimento e as consequências decorrentes dele representam uma perda que não é reconhecida pela cultura da sociedade. O luto não reconhecido adia a expressão e validação da perda socialmente, devido às normas implícitas e explicitas impostas na sociedade, além da vulnerabilidade não identificada pelo próprio enlutado (DOKA, 2002). Por isso, torna-se comum a dificuldade de expressão e validação da perda do corpo ou funções anteriores. Um exercício possível de ser utilizado é estimular a escrita livre terapêutica como forma de expressão. Segundo Casellato (2020), os lutos ocorrem em uma sociedade e cultura específica e, ainda que seja universal, a experiência de enlutar-se é singular. Por isso, ainda segundo a autora, expressar os sofrimentos para alguém que escuta com atenção e escrever sobre as perdas permitem ressignificações importantes.

Tendo em vista que o processo de luto proporciona a reconstrução e adaptação das mudanças surgidas (BOWLBY, 1998), e diante da subjetividade da experiência de adoecer, a integração do luto não reconhecido será uma adaptação individual, única e não linear. Nas estratégias de intervenção, o psicólogo pode:

No processo de reabilitação, notam-se sentimentos de esperança, insegurança e angústia diante da incerteza da melhora física (MASO, 2009). A atuação multiprofissional é eixo importante na reabilitação psicológica dinâmica emocional e familiar, avaliação psicológica para investigar relacionamentos sociais e aceitação de limites físicos, além de outros conflitos afetivos sociais (WOJCIECHOWSKI, 2007 apud MASO, 2009). Assim, a psicologia pode auxiliar na compreensão das mudanças individuais e familiares, bem como na aceitação do luto pela saúde integral e imagem corporal antiga do indivíduo adoecido. Isso possibilita um maior manejo de condições para enfrentar situações de estresse e facilita a adaptação à nova realidade.

Referências

ANDRÉ, Charles. Manual de AVC. 2a edição. Editora Revinter: Rio de Janeiro, 2006.

BOWLBY, J. (1998). Apego e perda: Perda: Tristeza e depressão (V. Dutra, Trad., 2a ed., Vol. 3). São Paulo: Martins Fontes. (Originalmente publicado em 1973).

CASELLATO, Gabriela (org.). Luto por perdas não legitimadas na atualidade. São Paulo: Summus Editorial, 2020. 264 p.

CURY, I.S.M In: QUAYLE, J.; LUCIA, S.M.C. Adoecer, as interações do doente com sua doença. São Paulo: Atheneu, 2007.

DOKA, K. J. (Org.). Disenfranchised grief. In: DOKA, K. J. (Ed.). Living with Grief: Loss in Later Life. Washington: Hospice Foundation of America, 2002.

MASO, Julia Schmidt. To be hemiplegic: the process of symbolic mourning of the body in hemiplegic people due to a stroke. 2009. 139 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

NORONHA, José Carvalho de; CASTRO, Leonardo; GADELHA, Paulo (org.). Doenças crônicas e longevidade: desafios para o futuro [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Edições Livres, 2023. 337 p. SILVA, C. S. DE O. E . et al. Family health strategy: relevance to the functional capacity of older people. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 71, p. 740–746, 2018.

Uma resposta

  1. Muito interessante e esclarecedora. Com certeza de muita ajuda para todos que passam ou passarão por isso!

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