Fernanda Figueiredo

IACEP – Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicologia

A atuação da psicologia com pacientes internados no contexto hospitalar é marcada por características e demandas específicas que se relacionam com a história de vida dos pacientes e acompanhantes, bem como as dificuldades diante dos aspectos da internação. A atuação do psicólogo se desenvolve ao compreender e manejar os aspectos da hospitalização e do adoecimento para o paciente, além da relação com acompanhantes e equipe, ao oferecer espaço de escuta e acolhimento. Neste contexto, evidencia-se desdobramentos relativos as temáticas de perdas, morte, luto e impactos nos relacionamentos familiares e profissionais diante da internação. Percebe-se que existe uma dificuldade dos profissionais de saúde ao atravessarem essas temáticas. Martins, Alves & Godoy (1999 APUD SILVA E RUIZ, 2009) sinalizam que a negação e banalização da morte é uma saída ao profissional de saúde, ao agir isento de envolvimento emocional. Por isso, pode-se refletir duas hipóteses para tal sinalização: (1) despreparo para enfrentamento da situação de crise ou (2) uma maneira de dar lugar/vazão aos sentimentos que surgem diante do ocorrido. Portanto, os profissionais de saúde podem se afastar de uma morte e, evidentemente, o luto surgido, para não se envolver emocionalmente. Essa prática parece ser comum na formação de profissionais de saúde que atuam no ambiente hospitalar, como um ensino de controle de suas emoções percebidas como uma interferência negativa no desempenho profissional (TAKAHASHI, 1991; FERREIRA, 1994). Em um estudo com enfermeiros de Ferreira & Hisamitsu (1993), identificou-se dificuldades na relação do profissional de enfermagem com o paciente, de modo que correspondem à falta de preparo acadêmico ou experiência, barreiras em relação ao estresse frente à situação de sofrimento e/ou morte e o medo de envolvimento emocional. 

Segundo a Política Humaniza SUS, a humanização possibilita a troca saberes e, principalmente, um diálogo entre os profissionais e os modos de trabalhar em equipe, ao priorizar um novo tipo de interação entre os sujeitos que integram os sistemas de saúde (BRASIL, 2005). Diante disso, reflete-se ainda o quanto seria importante a educação permanente diante de questões que envolvem o processo de terminalidade. Afinal, a educação para a morte deve ser em qualquer local onde exista a vida, pois falar da morte é um convite para falar de vida, é potencializá-la. Segundo Kovács (2003), não conseguir evitar ou adiar a morte pode gerar estresse para o profissional e uma experiência de impotência e finitude, o que pode ser extremamente doloroso.

Por isso, é importante que o psicólogo desenvolva um senso de reflexão a respeito da falta de acesso aos comportamentos encobertos e eventos privados, os quais são definidos por Skinner (1967) como atividades de um organismo, como sonhar, pensar e sentir, e que a diferença dos comportamentos observáveis é o acesso pelas outras pessoas. Segundo Mota et. Al. (2006), o trabalho do psicólogo hospitalar deve estar direcionado ao favorecimento de um apoio à equipe de saúde, mas também na orientação adequada aos familiares que acompanham o paciente. Ainda que tenha a ciência da família diante dos riscos da cirurgia, existe um evento incontrolável: a possibilidade da morte. Dois fatores a serem considerados diante do evento da morte ou ameaça dela é a irreversibilidade e inevitabilidade, o que significa que nenhum comportamento emitido pelo enlutado vai alterar esse evento. Isso caracteriza a condição de “incontrolabilidade do meio, a qual pode resultar em uma baixa frequência de comportamentos, fazendo com que o indivíduo deixe de emitir comportamentos de fuga ou esquiva perante estímulos aversivos do seu ambiente” (HUNZIKER, 2003 apud NASCIMENTO et. Al, 2015, p. 450). Diante da limitada compreensão de que a morte se apresenta apenas como a ausência de alguém, nos esquecemos que, na experiência humana, o fim de cada dia nos lembra da nossa morte. Um dia, a morte vai fazer uma última visita, em um tempo desconhecido e não habitável, mas enquanto isso, convivemos diariamente com ela, quando nos despedimos e enlutamos de nós mesmos a vida toda. Diante disso, os limites profissionais devem ser respeitados, de modo a considerar que a melhor conduta profissional é aquela que cuida do outro como o outro gostaria de ser cuidado.

Diante das demandas mais comuns no atendimento psicológico em hospitais, destacam-se os sentimentos de preocupação e medo em relação à morte e à instabilidade. As questões de morte e luto aparecem de forma recorrente, tanto por perdas simbólicas até pelo risco de morte eminente, através do luto antecipatório. O termo “Luto Antecipatório” foi utilizado principalmente por Lindemann (1944) e, segundo esse autor, ele é compreendido como um processo de construção de significado, na medida em que fornece possibilidade de elaboração do luto. Nesse processo, o enlutado pode experimentar a realidade da perda de forma gradual, ao mesmo tempo em que exige a resolução de questões pendentes com o paciente doente, mudanças de planos e reorganização de vida. Rando (2000) pontua que, embora o luto antecipatório aconteça diante de uma ameaça a perda futura, envolve também o passado e o presente, uma vez que remetem ao histórico de perdas passadas sem possibilidade de elaboração e faz relação com as perdas vivenciadas no presente. Nesses casos, o atendimento psicológico pode ser voltado para o trabalho de expectativas, decisões e sentimentos compartilhados entre familiar e paciente, de modo que se observa a dinâmica entre eles. Ressalta-se a sensibilidade ao impacto de um atendimento em conjunto com familiares, diante da possibilidade de expressão única de cada acompanhante. Apesar dos sentimentos compartilhados, cada familiar se expressa e sente de maneira individual, o que gera mobilizações que movimentam a dinâmica familiar e expõe como cada uma reage diante da paciente. A troca de olhares, quando possível, um toque e um carinho entre familiar e paciente comprovaram que o olhar expressa o que não pode ser dito em palavras e que a presença não precisa ser somente em toque físico. 

Durante as práticas psicológicas, destaca-se a atuação multiprofissional, como eixo relevante na comunicação com a equipe como um todo, de modo que as trocas de informações devem ser claras, a fim de produzir um atendimento efetivo. A psicologia pode reforçar a necessidade de priorizar e garantir o respeito a autonomia e a independência, de modo que o paciente ainda consiga tomar as próprias decisões e agir com os próprios recursos, ainda que esteja internado em uma instituição. Diante disso, reflete-se sobre a importância do trabalho em equipe, de acordo com os limites e especificidades de cada profissão, considerando que a origem do sofrimento é multideterminada. Segundo Braz (2013), o trabalho em equipe possui significados e funções ao envolver trocas de informações técnicas e sentimentos que surgem ao tomarem decisões centradas em objetivos de priorizar a saúde física e psicológica do paciente.

Assim como na música de Dona Ivone Lara (1980): “Alguém me avisou/Pra pisar nesse chão devagarinho”, a psicologia pode contribuir no contexto hospitalar ao garantir a participação ativa e autonomia de pacientes e familiares. Observar os contextos e estar sensível é como um facilitador da aprendizagem de um trabalho que deve ser guiado por um “pisar devagar” diante das intervenções, tanto com o paciente e família, quanto com a equipe. Considerando que os profissionais de saúde são atravessados por variáveis individuais e culturais a respeito dos temas da morte e do luto, é possível afirmar que a atuação do psicólogo no contexto hospitalar pode ser um facilitador para uma prática baseada em fundamentos teóricos, humanizados e éticos.

Referências

BRASIL. Política nacional de humanização. Humaniza SUS, 2005. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/saude/ area.cfm?id_area=389>. (Acesso em 17/10/22).

BRAZ, M. S. Prevenção de luto complicado em cuidados paliativos: percepções dos profissionais de saúde acerca de suas contribuições nesse processo. 2013. 92 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

DONA IVONE LARA. Alguém Me Avisou, 1980. (4:24min).

FERREIRA, N.M.L.A.; HISAMITSU, C. O enfermeiro frente as manifestações emocionais do paciente hospitalizado. Acta Paul. Enfermagem, v. 6, n.1/4, p. 16-23, 1993.

KOVÁCS, M.J. Educação para a Morte. Temas e Reflexões São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

LINDEMANN, E. The symptomatology and management of acute grief. American Journal of Psychiatry, 101, 141-148, 1944.

MOTA, R. A., et Al. Papel dos profissionais de saúde na política de humanização hospitalar. Psicologia em Estudo [online]. 2006, v. 11, n. 2 [Acessado 17 Outubro 2022] , pp. 323-330. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-73722006000200011>. Epub 01 Dez 2006. ISSN 1807-0329. https://doi.org/10.1590/S1413-73722006000200011.

NASCIMENTO, et al. Luto: uma perspectiva da terapia analítico comportamental. Psicologia Argumento, [S. l.], v. 33, n. 83, 2017. DOI: 10.7213/psicol.argum. 33.083.AO01. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/psicologiaargumento/article/view/19593.

RANDO, T.A. Loss and anticipatory grief. Massachussets/ Toronto: Lexington Books, 2000.

SILVA, A. L. L. DA.; RUIZ, E. M. Cuidar, morte e morrer: significações para profissionais de Enfermagem. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 20, n. 1, p. 15–25, jan. 2003.

SKINNER, B.F. (1967). Ciência e Comportamento Humano. Ed. Universidade de Brasília.  

TAKAHASHI, E.I.V. A emoção na prática de enfermagem: relatos por enfermeiros de U.T.I e U.I. São Paulo, 1991. 231p. Tese (Doutorado) – Escola de Enfermagem, Universidade São Paulo.

Uma resposta

  1. Sou voluntária em um hospital…na ala de pacientes com câncer! Este texto da psicóloga é esclarecedor! No dia a dia, realmente vemos as dificuldades, medos e insegurança de todos os envolvidos! Parabéns dra Fernanda Figueiredo!

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